MINHA PRIMEIRA VEZ, ou 50 anos do enterro da Prainha

A primeira vez que acompanhei um movimento popular em defesa do meio ambiente foi em 1960. Tinha doze anos quando um vizinho de nove anos pediu adesão a um abaixo-assinado em folha de papel almaço, para impedir o aterro da Prainha, no sítio histórico de Vila Velha, onde morávamos. Ele, franzino, viva inteligência (Rosental Calmon Alves – hoje professor dejornalismo no Texas) tinha um trabalho difícil em suas mãos. A cidade estava dividida: um grupo queria manter a Prainha; outro defendia o aterro.
O grupo a favor do aterro apoiava incondicionalmente o governo, que queria aprofundar o canal de acesso ao porto, removendo a areia, para que navios de maior calado alcançassem o cais em Vitória e o Pela Macaco, em Paul.
Essa turma era vista como favorável ao progresso e pragmática, disposta a resolver os problemas da Prainha:
- os esgotos da cidade e da Marinha, canalizados e sem tratamento, eram lançados na pequena enseada;
- o riacho que ali desaguava havia se convertido em valão;
- a construção da Av. Beira Mar reduziu o espaço da praia à pequena faixa de areia das Timbebas (onde fica o ginásio esportivo de 38º BI);
- o futebol na areia só era possível com a maré baixa;
- o aterro proporcionaria práticas esportivas e a nova praia, junto ao canal, seria maior e de águas correntes.
Praia em Vila Velha, 1960, se resumia à Prainha. A Praia da Costa era considerada distante e havíamos perdido Piratininga para o Exército e Inhoá para a Marinha. A Prainha, na maré alta, quase não tinha areia e sua água estava cada vez mais poluída por esgotos, óleo e gasolina dos barcos e descartes da pesca.
O grupo contrário ao aterro defendia razões históricas, afetivas, turísticas, paisagística e pesqueira. Ainda não se falava em ecologia.
Nessa época já freqüentava o atelier do pintor Homero Massena, que morava ali de frente para o mar, onde hoje está o seu Museu Ateliê.
Massena era contra o aterro. Ensinava que a Prainha havia se tornado imprópria por falta de planejamento da cidade, e por uma sucessão de erros políticos que poderiam ser corrigidos. O canal devia ser cavado, mas a areia depositada em outro lugar: “Um povo não pode desprezar a sua história, nem sepultar a beleza natural deste recanto magnífico que escolhi para viver. O aterro, em vez de ponto final numa história triste, será mais um problema a ser enfrentado. Devemos tratar do doente e não sacrifica-lo.”.
Eu, que era a favor do aterro e não havia assinado o documento apresentado pelo menino Tatau, mudei de idéia. Na entrega do abaixo-assinado ao presidente Juscelino Kubitschek (que veio inaugurar a Escola de Aprendizes Marinheiro, 1960), fui à Marinha e, junto ao cordão de isolamento, aplaudi com entusiasmo essa iniciativa pioneira e inesquecível.
O apelo, com milhares de assinaturas, encadernado em dois ou três grossos volumes, não foi atendido. A Prainha foi aterrada em quatro etapas (1960 – 1980) alcançando o aspecto que tem hoje. Enterraram o cenário do princípio da nossa História, várias histórias particulares e paisagens naturais notáveis.
Hoje eu tenho 62 anos. A aprendizagem (mudança de comportamento) do meu tempo de moleque influenciou definitivamente o meu desenvolvimento como cidadão. Lembro muito bem deste fato que completa 50 anos, que ainda é inspiração para muitas lutas, até hoje inglórias, em favor da Ecologia.
Kleber Galvêas Tel. (27) 3244 7115.
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