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UMA PÉROLA SERÁ RESGATADA

 

No princípio do século XX, um burburinho tomou conta dos capixabas. Naquele tempo quase todos eram católicos praticantes, e o governador Jerônimo Monteiro, irmão do bispo D. Fernando, vetara um auxilio ao Convento da Penha, aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa. Todos queriam entender o fato, e, por isso, as mais diferentes versões passaram a circular. A razão, no entanto, era a Constituição de 1891, que separou a Igreja do Estado.

Não havia uma “questão religiosa”. Cícero Bastos, sogro do governador, magnata paulista, mandara vir da Itália um altar em mármore de Carrara, o principal do Convento desde 1910. Na inauguração, a família do governador foi convidada para fazer a ornamentação. Quando retiraram N.S. da Penha de França, do pequeno nicho, observaram que a imagem do séc. XVI estava careca. Cobria-lhe a cabeça apenas um lencinho e uma coroa.

As tias, vendo que uma das sobrinhas, adolescente, ostentava basta cabeleira, que lhe caia até a cintura, pediram o cabelo a menina e fizeram uma peruca para a Madona. A mocinha olhou no espelho e chorou, mas logo foi consolada pela nana: “Minha fia, você deu o seu cabelo pra Nossa Senhora, ela vai lhe dar uma boa cabeça” (história contada em livro de Stellinha).

Dito e feito! A menina Maria Stella de Novaes “subiu em ombros de gigantes”. Estudou no Rio de Janeiro com Mello Leitão, Câmara Cascudo e Bustamante Sá. Tornou-se uma das grandes expressões da Cultura Capixaba: pintora, musicista, folclorista, historiadora, professora (Augusto Ruschi foi seu aluno), escritora, cientista... Falava inglês, francês e italiano.

Entrevistei Dona Stellinha em sua casa, na Rua Cel. Monjardim, 65. Pena é que o meu interesse nessa entrevista era colher informações sobre a irmã dela, Irmã Tereza Monteiro de Novaes, que criou a Escola de Pintura do Colégio do Carmo, escola de arte decorativa, que funcionou por mais de meio século, ensinando pintura a centenas de moças, entre as quais, minha mãe. Estava organizando na galeria da Prainha, uma exposição sobre essa escola.

Stellinha contava 86 anos. Estava fraca e bastante surda. Colhi as informações desejadas, e conversamos sobre o seu trabalho. Vi as primeiras edições dos seus livros e meia dúzia de manuscritos inéditos, aguardando publicação (Que pena!). Maravilhado fiquei com a coleção de aquarelas. Haviam sido expostas na Biblioteca Nacional, Rio (algumas ilustram livro, sobre orquídeas, do discípulo Augusto Ruschi). A família doou todo esse acervo para o Instituto Histórico e Geográfico do ES.

Defendendo suas ideias com tenacidade, processou a Prefeitura de Vitória, que resolvera dividir com um segundo concorrente o prêmio do concurso literário que ela havia vencido. O processo se arrastou por 30 anos, envolvendo um intelectual de grande prestígio político. A pérola da nossa cultura foi colocada em ostracismo. Curiosamente, ostra foi o molusco que a cientista mais estudou.

O concurso literário sobre a vida e obra de Maria Stella de Novaes, lançado pela Academia Feminina de Letras do Espirito Santo e o IHGES abre a ostra e lustra a pérola. Desperta vivo interesse pela obra dessa mulher extraordinária, pioneira em várias áreas da nossa cultura, que entre tantas realizações positivas defendeu tese sobre eletricidade e magnetismo. Isso há 100 anos. 

 

Kleber Galvêas, pintor. Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com março, 2017
 

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