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A FORÇA DA PALAVRA ESCRITA
 
O demônio Tentes apresentou ao rei Tannus a matemática, a geometria, a astronomia... e a escrita, dizendo que ela conduziria seu povo à ciência.

Logo imaginamos que isso seria perfeito. Lembramo-nos da aquisição da linguagem oral e de como isso possibilitou a transição da nossa condição absolutamente animalesca para a condição humana. A possibilidade de fixar e transmitir a linguagem ao infinito, no tempo e no espaço, através da escrita, nos tornaria ainda mais humanos. Espalhando e comparando informações, acrescentando opiniões, avaliando resultados e trocando conhecimentos, seriamos solidários.

Tannus não viu assim e disse: “Se você nos ensinar a escrita, eu posso lhe dizer o que vai acontecer: essa habilidade será funesta para o homem.” Imaginou que a força da palavra escrita nos submeteria a um modelo. Colocaria nossas recordações e vivências em segundo plano, o homem perderia a curiosidade, a própria memória e muito do seu saber. Conhecimentos próprios seriam substituídos por citações elegantes, perderia autenticidade na sua expressão. A previsão de Tannus, contada por Platão, em Fédon, se realizou para a maioria da humanidade. Em todas as culturas, em todos os níveis sociais existem fundamentalistas, seguidores fanáticos da palavra escrita por outrem.

Cervantes, há quatro séculos, no olho do violento furacão da inquisição na Espanha, percebeu paradigmas e nos alertou para o desvio dogmático dos agentes fundamentalistas. Enfrentando mil dificuldades, andando na corda bamba sobre fogueiras, em território onde as três grandes religiões de inspiração divina (Cristianismo, Judaísmo e Islamismo) se encontravam ativas, pregando a palavra escrita em seus livros sagrados, ele soube usar a literatura com habilidade (foi o primeiro escritor a transitar do barroco para o moderno). Indicou-nos a correção de rumo dando dribles fantásticos nos censores da inquisição e publicando, há exatos 400 anos (1616), a sua novela Dom Quixote. Critica velada aos seguidores estreitos da palavra escrita na Bíblia, no Torá e no Alcorão.

Dom Quixote, em seu leito de morte, após uma febre alta, reconheceu que não viveu a própria vida. Fanático pelos livros de Cavalaria Andante, sempre procurou imitar seus heróis da Idade Média. Desprezando a sensibilidade, ignorou seu tempo, sua vocação e suas experiências pessoais.

A mais popular palavra escrita atualmente está no jornalismo dos diferentes veículos. Da mesma forma que contribuímos com o dízimo para a difusão da palavra escrita nos livros sagrados, que alimentam o espírito, devemos contribuir (assinatura, compra avulsa) para que o jornalismo prospere, alimentando as nossas consciências. A contribuição para a difusão do jornal e da mídia eletrônica é essencial para tomarmos conhecimento dos fatos narrados de diferentes ângulos, para avaliarmos e traçarmos um rumo mais próprio e humano para nossas vidas na comunidade. Evoluímos informando-nos, ouvindo opiniões, analisando, testando hipóteses e investigando velhos paradigmas. Habitamos um mundo que pode ser compartilhado generosamente.

As coisas estão mudando para melhor. Como acontece nos países desenvolvidos, o leitor brasileiro tem mostrado interesse maior por assuntos próximos, sobre os quais já tenha algum conhecimento, dos quais possa participar e até neles interferir, ou simplesmente sabê-los, para conhecer melhor o seu ambiente.

O jornalista é o professor sem didática, mas pródigo, habilidoso e preparado para informar. O professor, o jornalista e o artista têm atividades complementares. O professor habilita o jornalista e o artista a produzirem suas obras; e o povo, a conhecê-las. O jornalista informa o que acontece, onde e como está acontecendo. O artista produz insumos para que o professor e o jornalista exerçam suas atividades, e  complementem a sua obra, pois não existe arte sem público.

Fundamentais na vida em sociedade, as  atividades desses profissionais  exigem vocação e formação adequada, para   seu bom desempenho. Se tivéssemos um juízo coletivo seriam muito bem remuneradas e prestigiadas, para nosso próprio benefício.


Kleber Galvêas, pintor. Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com outubro, 2016.
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