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SER OU NÃO SER

 

Alguns historiadores afirmam que Shakespeare e Cervantes faleceram no mesmo dia: 22 de abril 1616. Não foi o dia de o exterminador seletivo colher gênios de primeira grandeza na Terra: Cervantes era um Gênio. E Shakespeare? O que une os dois (o gênio real e o virtual) não é a morte, mas a vida: o renascimento da individualidade.

“Ser ou não ser?” Shakespeare (o virtual) é, sem ser, o escritor que conhecemos; Cervantes (o real) faz o seu herói D. Quixote reconhecer, após uma febre que sacode o seu cérebro, que ele nunca existiu como indivíduo. 

O gênio se revela como consequência de um desenvolvimento extraordinário do seu interior, de suas potencialidades: o músico, pela habilidade em perceber os sons e conjugá-los, ainda que fique surdo, como aconteceu com Beethoven; o pintor desenvolve a sua percepção visual e aprimora a sua fatura; o escritor cria arrumando palavras numa escrita, que nos sensibiliza com narrativas vivenciadas, informadas ou inspiradas...  A genialidade é individual, realiza-se de dentro para fora do indivíduo, em ambiente propício, pós-aprendizagem e inspiração, provocando mudança de comportamento. Não há milagre, muito menos falsificação.

Livros, filmes, Internet apresentam várias hipóteses  que procuram mostrar que Shakespeare era o “cavalo”, de um ou mais escritores que conseguiram manter o anonimato. Para mim a melhor prova de que ele era um farsante é o epitáfio, que escreveu sozinho e mandou gravar em sua sepultura: “Amaldiçoo a todos que tocarem em meus ossos." O autor das divinas peças e sonetos atribuídos a Shakespeare jamais teria reservado algo tão patético, ou mesmo bronco, e sem sentido, para seu derradeiro texto. Fernando Pessoa ensina: “Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências. O que for, quando for, é que será o que é." Embora os teatros londrinos só tenham sido fechados pelos puritanos em 1649, Shakespeare, ao se afastar de Londres (dos seus mentores), retornando ao interior como comerciante, nada mais produziu nos 5 anos que precederam a sua morte.

Outro argumento que apresento é o  que, pela diversidade de ambientes descritos em sua obra, culturas, costumes das cortes nativas e exóticas, detalhados em 37 peças e sonetos, atribuídos a Shakespeare, requer um acervo de conhecimentos obtidos com terceiros. Era impossível para um indivíduo de formação apenas primária obter conhecimentos no interior do país, em época em que não existiam jornais, e livros eram raridades. Após apenas 3 anos da sua chegada a Londres, trabalhando como ator medíocre (um “Johannes factum”), sua produção literária surge de repente, como um dique que arrebenta, trazendo 37 peças e dezenas de sonetos de primeira qualidade, ambientados em épocas e lugares distantes uns dos outros, no tempo e no espaço. Tudo isso em apenas 21 anos.

As obras dos dois retomam a primeira questão filosófica: “Quem somos?” Eles sugerem uma tomada de posição, em tempo: “Ser ou não ser? Eis a questão.” Se não somos, como saber para onde vamos? Descobrir o engano no leito de morte, como aconteceu com D. Quixote, só nos trará lamentação.

O despertar do indivíduo, provocado pela obra desses dois gênios, um real e o outro virtual, ajudou a acordar a Europa para um período de luz: o iluminismo. Após a longa noite da Idade Média.

Kleber Galvêas, pintor. Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com abril, 2016
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