Pinturas

Atividades

Restauração

Artigos

Biografia

Mestres

História

Contato

Vídeos Curtos

Shopping

English

Documentos

Home

TRUQUE DE MARKETING POLÍTICO 

 

 Em 1972, as Escolas Polivalentes começaram a funcionar no Espirito Santo. Por força do acordo MEC/Usaid, os professores, após treinamento intensivo, com padrão de High School americana, recebiam salários superiores aos pagos nas outras escolas públicas estaduais e cerca de 30% a mais do que um médico do Estado. Com dedicação exclusiva a uma escola bem montada, trabalhávamos muito satisfeitos. A coisa funcionava tão bem, que o governador matriculou ali seu filho e sua filha.

Quase todos os professores compraram carros. Eu, um Fuscão 1500, zero, branco; modelo indicado para nossas estradas rústicas. Logo fui à casa do vizinho Homero Massena, que quis experimentar o carro. Após uma volta na Prainha, pelas ruas calçadas com paralelepípedos, ele pediu que voltássemos. Achou o carro duro, o que o incomodava muito, causando dores no abdome. Sem saber, aos 87 anos, desenvolvia um câncer no intestino.

Para novos passeios, sempre pedia que esvaziasse um pouco os “pneumáticos” e que conduzisse devagar. Ele não gostava mesmo do carro, reprovando até o desenho. Dizia ter tido mais conforto no lombo de uma boa mula, com a qual percorreu o interior do Rio, de São Paulo e de Minas, pintando cenários em salas de casarões das fazendas de café, entre 1905 e 1925.

Um dos passeios que fazíamos no Fuscão era da Prainha à Curva da Sereia, na Praia da Costa. Sentávamos em mesa de bar na calçada, para apreciar as mudanças de cores do mar, da praia, da Península, das Pedrinhas e da Pedra dos Passarinhos. (A Pedra dos Passarinhos é, hoje, infelizmente, mais conhecida como “Pedra do Peixoto”, graças a um ato medonho de vandalismo: o candidato a deputado estadual mandou pintar na face plana da pedra, voltada para a praia, o seu nome em letras enormes. Isso ficou ali mais de 20 anos, embora o sem-noção não tenha sido eleito).

Conversar e observar as cores cambiantes no mar, na areia e nas pedras não eram os únicos prazeres naquele lugar. Massena pediu ao garçom um refrigerante de uva, sem gelo; eu, cerveja gelada. Depois de o sol acelerar, nos instantes finais do crepúsculo, e de as luzes dos postes acenderem, e depois de alguns tira-gostos, ele chamou o garçom e pediu a conta. Este foi até ao caixa e voltou sem a nota. Após nos informar que havia recebido ordem para que a despesa ficasse por conta da casa, voltou-se para o Massena e fez discurso enaltecendo a presença da ilustre personalidade em seu estabelecimento.

Nas primeiras vezes em que isso aconteceu, fiquei muito surpreso e orgulhoso por estar em tão distinta companhia. Depois desconfiei e descobri o estratagema.

Percebi que, antes de ele pedir a conta, sempre ia ao banheiro. Resolvi segui-lo de longe e, assim, o surpreendi pagando a conta, gratificando o garçom e dando instruções para o discurso elogioso.

Vendo que havia sido desmascarado, ele me contou que esse truque de marketing político era muito usado nos cafés por oportunistas do Rio e de São Paulo, no inicio do séc. XX. O custo não era elevado; e os cafés, muito frequentados por políticos, nos anos de eleições.

Em 1976, Massena já havia falecido, mas o truque continuava vivo em minha mente. Levei os amigos Henness (casal de americanos), a passear pelas montanhas de Minas Gerais. Paramos para almoçar em um pequeno restaurante/bar, em Rio de Contas, Chapada Diamantina. Enganei até meu irmão caçula, que nos acompanhava. O garçom, bom ator, fez rasgados elogios aos Estados Unidos, após afirmar que os Henness eram os primeiros americanos a almoçar em seu restaurante, daí a cortesia. Várias fotos foram tiradas no restaurante e levadas para os Estados Unidos.

Cinco anos depois, o truque no Brasil me rendeu alguns almoços grátis, na terra dos Henness, onde se diz: “There is no free lunch”. Eles haviam contado a história (nunca desmentida) para quase todos os amigos deles que, encantados e solidários, me convidavam para almoços grátis. Heresia capitalista.

Kleber Galvêas, pintor. Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com novembro, 2015

 



Voltar